Cada vez estou mais convencida de que o mundo está a transformar-se na caricatura de si mesmo, ridícula e superficial até ao limite do suportável.
Numa época em que se vão fazendo evidentes as semelhanças entre o momento actual e a história recente, e em que por isso tão vital é conhecê-la, quanto mais não fosse como antídoto para a repetição do que ela teve de pior, reparem na promoção que um canal televisivo temático decidiu fazer de uma série de programas dedicados à II Guerra Mundial.
O perfumista Lourenço Lucena foi convidado a criar um aroma para cada um dos protagonistas da série: Winston Churchill, Adolf Hitler, Franklin D. Roosevelt, Hideki Tojo, Benito Mussolini e Josef Estaline. Conhecer os “aromas da história”, é a original metáfora, e enormíssimo desafio, porque os aromas desta história não são aqueles que costumam caber num frasquinho de essências: o sangue derramado, e “só o sangue cheira a sangue”, dizia Anna Akhmátova, o gás das câmaras de Auschwitz-Birkenau, a carne queimada em Hiroshima. Não era simpático, deve ter pensado o perfumista, e por isso inspirou-se nas características dos protagonistas, homens fortes, de aroma intenso.
O “aroma Roosevelt”, por exemplo, é “uma brisa marinha, numa clara referência ao desembarque da Normandia”. Já sobre Mussolini, o perfumista entende que poderia ter usado um aroma de café, pela invasão da Etiópia, mas prefere associar-lhe “composição floral intensa e majestosa com a flor roxa de iris, ostensiva e imperial como um manto real.”
Estaline cheira a gelo e frio, porque “as condições atmosféricas tornavam-se o seu principal inimigo dada a mortalidade que lhe estava associada.”
Por esta altura imagino que se interrogarão que perfume é associado a Hitler. Deixo-vos a descrição completa, porque não tem desperdício:
Numa metáfora do que ele representou ao ceifar milhares de vidas, podíamos associar o aroma da relva acabada de cortar, isto é, o corte da vida quando ela rebentava e se preparava para crescer, o aroma que lhe associo é uma composição do aroma do óleo dos tanques de guerra que invadiram a Europa associado ao aroma da madeira queimada numa referência à destruição de tudo por onde passavam.
Estamos, pois, todos convidados a visitar as lojas que promovem o canal e desfrutar dessa experiência sensorial, mergulhar no cheiro a erva acabada de cortar e óleo de tanque, sair dali com os pulsos perfumados com aroma de Hitler ou Estaline e passear pelas ruas, ostensivos e imperiais, aconchegados na nuvem aromática como se fosse um manto.
A mim, com a vossa licença, cheira-me a merda.
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